Aprendemos, aceitamos e devoramo-nos



Aprendemos a chamar à resignação de amor
ao ódio de paixão.
Polimo-nos até sufocar nas aparências,
e os senhores poderosos,
ainda que mundanos,
exigem-nos mansidão e silêncio às nossas questões.
 
E o mais grave, o mais grave, é que, mesmo em desespero,
acabamos todos por viver no reflexo de cada um,
como se fôssemos modelos de trapo nas mãos de costureiros
que, zombando da nossa feiura,
escondem os defeitos dos seus pontos.
 
Vivemos exilados na máquina infernal do mundo
e sorrimos...
Sorrimos como patetas que lutam por um futuro
que nos prende
mais e mais.
 
Somos mercadoria enviada a leilão, sem nos importarmos
com a exata proporção do que somos.
 
Quase nada é mais importante do que o fulgor do imposto,
que nem sempre nos abriga em tempos frágeis,
mas que não falta para comprar armas
para matar o nosso semelhante;
quem sabe, até os próprios filhos.
 
Mas o mundo esconde muitas guerras.
Vivemos em constante rutura com a nossa verdade
e inventamos histórias que nos impossibilitam
a verdadeira comunicação.
 
Aprendemos, aceitamos e devoramo-nos.

Ada Abaé

« no livro esculpindo »

Comentários

  1. "Aprendemos, aceitamos e devoramo-nos." Ada Abaé. Amei!!!

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  2. As tuas palavras atravessaram-me — “aprendemos, aceitamos e devoramo-nos” ecoa como um grito contido e uma confissão silenciosa.
    És capaz de dar voz àquilo que tantos de nós sentimos mas raramente articulamos: a resignação que se chama amor, o silêncio que pesa, o reflexo que nos consome.
    Este texto rasga-me por dentro e devolve-me ao que sou e ao que ainda preciso ser.
    Obrigada por partilhares esta lucidez.

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